Desde
que nasci sempre me achei inferior perante aos outros. Por mais que a
vida desse sinais de que eu era diferente e poderia me destacar, eu
nunca acreditei nisso de verdade. Sempre ouvia frases com elogios,
mas jamais acreditava ser merecedora de tais méritos.
Ainda
pequena, me destacava para o lado artístico: dançava muito bem,
cantava muito bem, declamava muito bem, interpretava muito bem e
escrevia muito bem também. Mas nada disso nunca fora suficiente para
eu me sentir feliz, plena, realizada.
Fazia tudo sempre bem feito,
recebia muitos elogios, mas nada me atingia em sua plenitude; eu
nunca acreditava e muito menos mantinha minha autoestima elevada;
tinha sempre algo que ficava faltando para eu me sentir realizada.
...E
havia uma imensa bolha que me envolvia e que deixava tudo nublado,
esfumaçado... como em um sonho...ou talvez um pesadelo. As cores até
me eram perceptíveis, mas sempre esfumaçadas.... Nada me era
totalmente nítido....os dias iniciavam e terminavam envoltos naquela
bolha.... bolha que se fazia presente até mesmo enquanto
adormecia.... chegando ao ponto de não conseguir distinguir o que
havia sido sonho e o que havia sido real. A impressão que tinha era
que existia algo que não poderia enxergar...ou talvez que não
quisesse enxergar...
Por
alguns anos, esta bolha foi mantida intacta e opaca e minha percepção
de mundo, vinha apenas através dos outros... daqueles que nem sempre
traduziam os acontecimentos como eu realmente acreditava ser...mas era
muito mais cômodo...muito mais seguro!!!
Havia
internamente, uma auto-rejeição que acreditei, por muitas décadas,
que jamais me destacaria em algo, muito menos seria merecedora de
amor, alegria e realização, em sua maior concepção. Havia uma
mania de perseguição que eu sentia das pessoas, com relação à
mim: parecia que todos sempre me olhavam com piedade, e o que me
faziam, soava falso...soava como se fosse um favor enorme que estavam
fazendo para a coitadinha aqui.
Mas tudo isso tem um porquê e está
intrinsecamente ligado ao momento do meu nascimento, quando fui
rejeitada pela minha mãe biológica e colocada para adoção;
imediatamente recebida pela minha mãe de criação, horas após meu
nascimento, ainda no hospital.
Será que foi isso mesmo que aconteceu?
Desconheço os reais fatores que
contribuíram para que minha mãe biológica tivesse essa atitude; e,
prá falar a verdade, isso já nem mais é tão significativo para
mim pois, seja lá o que quer que tenha acontecido, só poderei saber
através dela. Tudo o que souber pela boca de outras pessoas, será o
entendimento de quem não fazia parte do contexto e ficará baseado
na interpretação pessoal de quem estiver narrando a história....não
necessariamente da real forma dos acontecimentos.
Porém,
o que realmente ficou de toda essa história, que se desmascarou na
minha vida de forma tão inusitada, foi o sentimento de rejeição, e
que fez parte da minha vida, por muitos anos a fio...até muito pouco
tempo atrás. Prá falar a verdade, ele ainda se faz presente em
alguns momentos, principalmente os que desencadeiam esse padrão,
como o fato de me sentir colocada de lado, sem explicação
aparente....e o que é mais engraçado: no momento seguinte que isso
acontece, há um disparo inconsciente, como se fosse um “toque de
recuar”, um sinal de alerta, que me afasta do que quer que seja ou
de quem quer que seja, para que, de forma inconsciente, eu me proteja
e não me decepcione mais.
Descobri
que era filha adotiva aos 15 anos e aí, me senti totalmente traída
pela vida. Meu pai já havia falecido e para mim, o maior responsável
por esta mentira que havia desabado minha vida, era minha mãe.
Passaram-se quase 40 anos e até hoje, não consegui perdoá-la; mesmo tendo ela já falecido. E por
causa disso também e principalmente por tudo isso, muitas coisas não deram certo em minha vida....ou muito poucas!!!
E
só hoje sei, o quanto a responsabilizei por muitas coisas que eu não
consegui superar ou resolver em minha vida...mas mesmo após esta consciência, nada foi suficiente para ter um relacionamento normal ou estável com
ela, antes de sua partida.
Por
tudo isso, levo uma vida sem contato com família onde meus filhos e netas são meus limites familiares.
Sou filha única; meu pai faleceu de cirrose alcoólica, quando eu tinha 14 anos. Em
função do alcoolismo dele, tive muito pouco contato com sua
família; com a de minha mãe, sempre corri atrás: os visitava com
freqüência: férias, finais de semana prolongados, etc.... Eles
moram há quase 500 km de distância. Mas há pouco tempo, coisa de
quinze anos atrás, descobri que tudo não passava de um enorme favor
para ela; me recebiam e conviviam socialmente comigo, por causa dela,
mas eu não fazia parte da ligação consanguinea que eles tem....e
isso me fez entender porque sempre me sentia rejeitada; parece que
todos que por lá circulavam sabiam que eu era uma filha adotiva e
que não fazia parte daquela familia, não tinha uma ligação de
sangue.
Até
que um dia eu disse: CHEGA!!!!...não preciso disso em minha vida!
E
com esta decisão, sofri muito e senti mais ainda a falta deles,
porque eu os tinha como meus verdadeiros familiares... mas, após
esta minha decisão, descobri que eles não tinham à mim.
Hoje, mais
de quinze anos depois, tenho certeza de que não os tinha mesmo!!!!
Porque,
em minha concepção, família é aquele pedacinho da vida da gente,
que se faz presente, que se importa com o que estamos passando, e que
também compartilha conosco o que se tem de bom e de ruim.
Família
visita, família cobra, família comemora, família acolhe, família
discute, família sente ciúmes, família disputa, família se
afasta.... porém o amor, em tudo isso que citei, é sempre muito
maior do que qualquer problema ou desavença que possamos ter...
porque o amor vence tudo....até mesmo a distância ou as diferenças.
Comecei
muitas coisas, infinitas coisas tais como: cursos, trabalhos,
especializações, empresas, projetos....etc...., mas nunca foram suficientes para mim pois não acreditava que iria me destacar ou mesmo ser bem sucedida
nisso ou naquilo. E sempre achei que a responsabilidade era de minha
mãe...jamais minha!
Sempre
acontecia algo em que batia de frente com minha “menos valia”,
com minha inferioridade interna e ainda, sempre atraía pessoas em
minha vida, que da pior forma, me faziam acreditar que eu realmente
era inferior e menosprezavam a minha forma de ser; e me humilhavam; e
me diminuiam ...e o pior de tudo isso é que eu me deixava levar pela
forma com que as pessoas me tratavam, porque eu me tratava dessa
forma: eu me colocava no pior lugar, me fazia de vítima e queria
chamar a atenção das pessoas da pior forma possível...e sempre o
que conseguia era afastá-las cada vez mais e mais.
O
mais incrível, é que nunca havia alguém que presenciasse isso, ou
mesmo que me defendesse. E isso era uma das coisas que mais me fazia
sofrer: eu queria me sentir amada....eu queria ser defendida...eu só
sabia reconhecer o amor através das pessoas que não me abandonavam,
que ficassem ao meu lado incondicionalmente...e isso jamais
acontecia, nem mesmo com as pessoas que julgava ser as mais próximas
e importantes em minha vida.
E
se eu comentasse, com quem quer que seja, mãe, namorado, marido,
etc.... que alguém estava me tratando desta ou daquela forma e que
isso era proposital e que estava me magoando muito, não tinha a
credibilidade esperada das pessoas e, para meu maior sofrimento,
sempre escutava que tudo era fruto de minha imaginação.
Certa
vez, uma pessoa da família, que prefiro não citar o nome, disse que
não me queria convivendo com seu filho, uma criança muito doce e
que me amava muito. Adorávamos estar um na companhia do outro;
sempre adorei crianças e esta, era muito especial em minha vida. E
esta pessoa completou:
“Você
foi achada no lixo quando nasceu.... e é prá lá que você deveria
voltar; eu não quero um tipo de pessoa como você ao lado do meu
filho!”
Essa
criança fazia parte de minha família, de uma família que aprendi a
amar por opção mas que, logo após esse episódio, descobri que
este amor era unilateral, que vinha só de minha parte. Cheguei até
a comentar essa frase “mal dita”, com o meu marido na época e
até mesmo com minha mãe. Mas nenhum dos dois me deram credibilidade
e, meses depois, presenciei minha própria mãe, ao telefone da minha
casa, com essa pessoa, parabenizando-a pela passagem do seu
aniversário.
Passei
muitos anos acreditando nisso, que realmente havia vindo do lixo e
sofrendo mais ainda. Não houve sessão de terapia, por mais
diferentes que fossem as propostas oferecidas, que me fizesse
acreditar que eu não fazia parte de um lixo qualquer ou que realmente me fizesse sentir amada.
E
se eu pudesse resumir a minha vida em uma única palavra, eu com toda
certeza escolheria: ILEGITIMIDADE!
Como se nada, em todo o decorrer
da minha vida, tivesse sido meu de forma concreta.
Certa
vez até fiz uma analogia: Imagine uma criança que jamais
experimentou um doce qualquer, um simples pirulito. De repente,
aparece alguém e lhe coloca o tal doce em sua boca. Ela sente o
gostinho e passa a acreditar que aquele pirulito é seu!!!
Mas a
outra pessoa vai embora, parte para dar sequência em sua vida, pois
aquela criança não faz parte de sua vida.... e vai embora...e deixa
a tal criança muito triste e com muita vontade de ter aquele
pirulito por inteiro....
É
assim que me senti por muito anos em relação ao amor: vendo-o
acontecer na vida das outras pessoas!!!
(Trecho do livro "Para onde o amor pode nos levar?!?" - Élide Soul - em captação de recursos)
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