E preciso deixar morrer. É preciso aprender a liberar o que já não é mais. Há partes de nós que resistem, apesar de obsoletas. Que certezas carregamos sem questionar? Onde estão nossas dificuldades de aceitação que não nos permitem sair do sofrimento?
Há um tempo para tudo na vida. Porém, é preciso deixar morrer a lagarta. A semente do que fomos, as ilusões nas quais construímos nossa visão de mundo, foram uma etapa necessária da existência, mas chega o momento da transformação. Aquilo que era bom não representa mais o futuro.
A segurança não pode ser medida pela convicção, mas pela habilidade de duvidar e mesmo assim ser capaz de seguir em frente. A lagarta é a promessa do que podemos nos tornar, contudo não é a experiência completa, nem um fim em si mesma. É uma etapa inicial, acertadamente percorrida. A infância da vida, o desabrochar da inocência, a experimentação da realidade.
Então há o momento de deixar a lagarta morrer. Este é o tempo da crisálida. Quando saímos das certezas aprendidas para as verdades elementais. Introjetamos a experiência e repassamos a vida pelo crivo caloroso da essência. Há uma alegria, um júbilo nesta vivência. Pois, não há nada melhor do que renascer. Nascer pode não ser uma escolha, mas renascer é fruto da consciência que acorda e deixa morrer aquilo que não vive mais.
Claro que, como qualquer das passagens da existência, tornar-se crisálida não é uma experiência isenta de tumulto. Há estertores da antiga lagarta que resiste em desaparecer, sem compreender que de fato se transforma em algo maior e melhor. A crisálida contém a lagarta, mas vai além dela, muito além.
Essa interiorização a que a crisálida convida é um estado reflexivo, de harmonização entre o ser e o fazer, entre o desejo e o destino. É a edificação da consciência em estado de maturidade. É, ao mesmo tempo, um estado de insensatez, de loucura, de fazer coisas inesperadas, fora do senso comum. É preciso muita maturidade para enlouquecer de forma sensata.
Loucura mesmo é permanecer lagarta. Arrastar-se por aí, sem perceber a magnificência da vida. Acordar e dormir sem perceber que o tempo entre estes dois momentos é o mais significativo. Não será em nenhum outro dia, nenhum outro momento e nenhum outro lugar. Especialmente, não precisamos ser outra pessoa para nos transformarmos. O ser que somos já basta. É preciso lembrar que a lagarta é semente e que a experiência acumulada é a matéria prima onde podemos construir o casulo que vai abrigar a crisálida.
É tempo de se voltar para o interior, para a essência. Um momento de recolhimento das distrações do mundo. O sabático do cotidiano. Esse necessário afastamento das obrigações, deveres e diversões mundanas é ao mesmo tempo uma grande reflexão, como um período de profunda meditação, e um júbilo, uma alegria infinita de encontrar-se, finalmente, consigo mesmo.
Aparentemente, aos olhos puramente focados no exterior, a crisálida é um casulo de morte. É o fim da lagarta e nada mais se vê. Não há beleza, nem movimento, nenhum tipo de ação. É o fim de um ciclo, mas não se pode adivinhar o que virá daí. É preciso aprender a confiar no fluxo, acreditar no sábio processo da natureza, que fará revelar aquilo que pode ser.
Muitos observadores desavisados vão condenar a crisálida. Vão apontar suas deficiências, suas perdas, suas dificuldades, sua fragilidade. Contudo, não se pode confiar na impressão das outras lagartas. Cada uma delas também haverá de experimentar o mesmo processo, cada uma a seu modo, porém lagartas não estão prontas para compreender a crisálida.
O que é uma aparente deficiência pode ser, de fato, um redimensionamento da experiência de existir. O que é percebido como perda, pode na verdade ser um desapego libertador. As dificuldades nada mais são do que a consciência em pleno exercício, percebendo mais e, portanto, experimentando coisas e situações novas. E do falsamente frágil é que surge a força, o vigor, a vida.
Por falta de experimentação, o vocabulário das lagartas condena a experiência de crisálida. A resistência se organiza, a crítica se intensifica, mas o processo não pode mais ser interrompido. Uma vez que a lagarta comece a se transformar já não há mais volta. E é desse recolhimento, dessa auto imolação do passado que surgirão as condições para o desabrochar de uma nova experiência, mais ampla, mais rica, além de qualquer aspiração.
Da antiga lagarta se tem a experiência do corpo. Dos desafios vividos nascem as antenas da percepção. Da entrega surge o veludo e as cores. O ser se apresenta além das restrições e, de par em par, desdobra suas asas e se permite voar.
Dulce Magalhães
Ph.D. em filosofia pela Columbia University
www.dulcemagalhaes.com.br
Há um tempo para tudo na vida. Porém, é preciso deixar morrer a lagarta. A semente do que fomos, as ilusões nas quais construímos nossa visão de mundo, foram uma etapa necessária da existência, mas chega o momento da transformação. Aquilo que era bom não representa mais o futuro.
A segurança não pode ser medida pela convicção, mas pela habilidade de duvidar e mesmo assim ser capaz de seguir em frente. A lagarta é a promessa do que podemos nos tornar, contudo não é a experiência completa, nem um fim em si mesma. É uma etapa inicial, acertadamente percorrida. A infância da vida, o desabrochar da inocência, a experimentação da realidade.
Então há o momento de deixar a lagarta morrer. Este é o tempo da crisálida. Quando saímos das certezas aprendidas para as verdades elementais. Introjetamos a experiência e repassamos a vida pelo crivo caloroso da essência. Há uma alegria, um júbilo nesta vivência. Pois, não há nada melhor do que renascer. Nascer pode não ser uma escolha, mas renascer é fruto da consciência que acorda e deixa morrer aquilo que não vive mais.
Claro que, como qualquer das passagens da existência, tornar-se crisálida não é uma experiência isenta de tumulto. Há estertores da antiga lagarta que resiste em desaparecer, sem compreender que de fato se transforma em algo maior e melhor. A crisálida contém a lagarta, mas vai além dela, muito além.
Essa interiorização a que a crisálida convida é um estado reflexivo, de harmonização entre o ser e o fazer, entre o desejo e o destino. É a edificação da consciência em estado de maturidade. É, ao mesmo tempo, um estado de insensatez, de loucura, de fazer coisas inesperadas, fora do senso comum. É preciso muita maturidade para enlouquecer de forma sensata.
Loucura mesmo é permanecer lagarta. Arrastar-se por aí, sem perceber a magnificência da vida. Acordar e dormir sem perceber que o tempo entre estes dois momentos é o mais significativo. Não será em nenhum outro dia, nenhum outro momento e nenhum outro lugar. Especialmente, não precisamos ser outra pessoa para nos transformarmos. O ser que somos já basta. É preciso lembrar que a lagarta é semente e que a experiência acumulada é a matéria prima onde podemos construir o casulo que vai abrigar a crisálida.
É tempo de se voltar para o interior, para a essência. Um momento de recolhimento das distrações do mundo. O sabático do cotidiano. Esse necessário afastamento das obrigações, deveres e diversões mundanas é ao mesmo tempo uma grande reflexão, como um período de profunda meditação, e um júbilo, uma alegria infinita de encontrar-se, finalmente, consigo mesmo.
Aparentemente, aos olhos puramente focados no exterior, a crisálida é um casulo de morte. É o fim da lagarta e nada mais se vê. Não há beleza, nem movimento, nenhum tipo de ação. É o fim de um ciclo, mas não se pode adivinhar o que virá daí. É preciso aprender a confiar no fluxo, acreditar no sábio processo da natureza, que fará revelar aquilo que pode ser.
Muitos observadores desavisados vão condenar a crisálida. Vão apontar suas deficiências, suas perdas, suas dificuldades, sua fragilidade. Contudo, não se pode confiar na impressão das outras lagartas. Cada uma delas também haverá de experimentar o mesmo processo, cada uma a seu modo, porém lagartas não estão prontas para compreender a crisálida.
O que é uma aparente deficiência pode ser, de fato, um redimensionamento da experiência de existir. O que é percebido como perda, pode na verdade ser um desapego libertador. As dificuldades nada mais são do que a consciência em pleno exercício, percebendo mais e, portanto, experimentando coisas e situações novas. E do falsamente frágil é que surge a força, o vigor, a vida.
Por falta de experimentação, o vocabulário das lagartas condena a experiência de crisálida. A resistência se organiza, a crítica se intensifica, mas o processo não pode mais ser interrompido. Uma vez que a lagarta comece a se transformar já não há mais volta. E é desse recolhimento, dessa auto imolação do passado que surgirão as condições para o desabrochar de uma nova experiência, mais ampla, mais rica, além de qualquer aspiração.
Da antiga lagarta se tem a experiência do corpo. Dos desafios vividos nascem as antenas da percepção. Da entrega surge o veludo e as cores. O ser se apresenta além das restrições e, de par em par, desdobra suas asas e se permite voar.
Dulce Magalhães
Ph.D. em filosofia pela Columbia University
www.dulcemagalhaes.com.br
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