Tia Ciciiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!....
Era tudo o que a pequena Nenê sabia
gritar....
Não gostava de tomar injeções...
mas, infelizmente suas amídalas estavam sempre infeccionadas. O pediatra acreditava que era em função de
uma gravidez sem muitos cuidados, sem acompanhamento devido.
Nenê havia nascido abaixo do peso
e tamanho adequados para um recém-nascido. Mas, como foi adotada logo após o
parto, sua mãe de coração não media esforços para mantê-la sempre saudável; era
Nenê dar um suspiro a mais, ela já procurava o pediatra e tudo ficava bem!
Mas tinha uma saúde frágil;
qualquer surto de doenças infantis, a debilitava. E foi sarampo, varíola,
catapora, caxumba ...que de brincadeira, chamava de “xumbinha”.
E tia Cici a enchia de mimos;
eram presentinhos, docinhos e muito carinho. E quando a garganta ficava muito
inflamada, a visita do farmacêutico era inevitável ... e lá vinham as insuportáveis agulhas!!!! E
como não podia fugir, gritar podia... e
não economizava fôlego...e gritava: Tia Ciciiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...como se ela
a pudesse ouvir!!!!
E a afinidade com tia Cici era
tamanha que, mesmo Nenê tendo a pele bem morena e tia Cici bem clarinha, Nenê colocava seu
bracinho ao lado do bracinho da tia e comentava: “Sou da mesma cor que tia Cici!!!”
Os anos passaram, Nenê virou uma
mocinha, mas a afinidade com tia Cici nunca terminou ...ao menos nesta
época. Tia Cici era uma mulher muito
bonita, cobiçada pelos homens; não havia quem não a olhasse quando andava pelas
ruas da cidade. E muitas vezes, Nenê acompanhava tia Cici até sua casa, no
centro da cidade; seis quadras de onde ela morava. E ai se algum homem fizesse
algum comentário maldoso com tia Cici; Nenê iria até ele e tiraria satisfação.
Quando as dúvidas inerentes às
mulheres começaram a surgir, Nenê se sentia muito mais à vontade para conversar
com tia Cici; sua mãe era muito rígida e nem sempre disponível para tais
assuntos. Sempre tinha que trabalhar; costurava muito...muitas clientes!!! E
quando se desentendia com sua mãe, não pensava duas vezes: ia dormir na casa da
tia Cici.
E quando soube da sua real
condição de filha adotiva, desvendada de uma forma traumática, em seus 16 anos,
quando seu pai já havia partido, Nenê acabou por se aproximar mais e mais da
tia Cici, porque passou a se sentir traída pela mãe de coração, que havia
omitido tal informação. E, neste momento, as afinidades com tia Cici eram
muitas: Nenê queria crescer logo para usar sapatos de salto da tia Cici,
acessórios, etc. Ela a tinha como referência; além de uma linda mulher, era
doce, alto astral e sempre conectada com os assuntos atuais. E por tudo isso,
Nenê se identificava muito com sua querida tia Cici; era sua primeira e grande super-herói!!!
Mas o tempo passou e Nenê virou
mulher; casou teve filhos e, não demorou muito para conhecer alguns detalhes da
vida da tia Cici, não muito agradáveis. E mesmo assim, desaprovando certas
atitudes, Nenê continuava firme no propósito de respeitá-la e amá-la
incondicionalmente. Tanto que Nenê, sempre que possível, quando sabia que a tia
Cici e seu companheiro passavam por dificuldades financeiras, não media
esforços e os ajudava com alimentos e até certos valores em dinheiro. Para Nenê não importava o que a tia Cici havia
feito no passado; era sua tia mais que querida e, sempre que possível, iria lhe
ajudar.
A única coisa que Nenê ainda não havia
aprendido, é que a vida dá muitas voltas e, em alguns momentos ajudamos e em
outros, precisamos ser ajudados!!!!
Nenê se intitulava infalível, na
organização, no poder aquisitivo, na saúde, na independência.... não conseguia
imaginar que um dia, pudesse precisar de alguém. Não era prepotente... mas tinha
uma determinação e uma certa segurança que a fazia sentir-se poderosa e
inatingível!!!
Até que um dia, sua vida mudou de
direção e, não só o seu poder aquisitivo
mudou, como toda a sua estrutura de vida.
Logo que tudo isso aconteceu,
Nenê não se deu muito conta e sem ter muito domínio do que realmente acontecia,
resolveu continuar vivendo a vida, da forma que sempre vivera...só que, naquele
momento, com muita liberdade. E nem percebeu que a tal liberdade, nada mais era
do que uma fuga para todas as situações mal resolvidas que guardava em seu
interior.
E como um castelo de areia, suas
emoções foram desabando e ela não se deu conta.... e muito menos ninguém que
fizesse parte de sua vida. Uma depressão já piscava o sinal amarelo...mas Nenê
não se rendia ao tratamento. E no mesmo momento em que Nenê já se sentia
desanimada, muito desinteressada de tudo, recebera a notícia de que tia Cici
estava com câncer; e tal informação chegou como uma bomba.
Mas Nenê passou por cima do que
sentia naquele momento e, mesmo se sentindo exaurida , desanimada e
entristecida, se mantinha ao lado da tia Cici. A visitava com freqüência e até
a acompanhou na primeira sessão de quimioterapia, mesmo que, desde pequena, tivesse
muito medo de agulhas e ambientes hospitalares. Ela queria estar perto da tia
Cici e dar amor, carinho e muita atenção.
Mas Nenê não estava se sentindo
bem; quando saia da casa da tia Cici, ao visitá-la, sentia muita vontade de
chorar e, quando chegava em casa, um desânimo a tomava por completo. Mesmo com
familiares por perto, ninguém percebeu que Nenê não era mais a mesma, nem mesmo
sua mãe de coração. Os olhos era só para tia Cici e Nenê estava precisando de
cuidados.
Até que um dia, Nenê decidiu
passar um período sem visitar a tia Cici; não conseguia entender o que
acontecia, mas não poderia mais continuar a se sentir tão mal quanto se sentia naquelas
visitas...precisava se cuidar. Até buscou ajuda médica, mas não conseguia dar
continuidade ao tratamento, mesmo com o diagnóstico da depressão. Não tinha
mais paciência ou educação com os outros; seu rendimento no trabalho havia
caído e se sentia muito abalada emocionalmente. Mas nem isso era suficiente
para que alguém a olhasse com mais atenção. O que os familiares realmente
sabiam fazer era julgá-la, mas jamais ajudá-la.
E Nenê já tinha muitas marcas de
rejeição, do momento do parto, quando foi colocada para adoção; e isso, segundo
psicólogos que havia passado, era um sentimento que já deveria estar presente,
desde a gestação. Nenê tinha uma baixa auto-estima e, na maioria das vezes, não
conseguia se sentir amada. E por tudo o que já havia passado em sua vida, o
caldeirão das emoções mal resolvidas estava por transbordar... e ninguém se deu
conta!!!!
E houve um momento, em que Nenê
ficou muito decepcionada com a ti Cici; tentou visitá-la e, descobriu por sua
mãe do coração que, não era para visitar mais a tia Cici, pois o companheiro
dela havia proibido a sua entrada, em função do comportamento e ausência de
Nenê.... e ele nem se deu ao trabalho de perguntar o que estava acontecendo;
mesmo tendo recebido ajuda da Nenê quando estava desempregado.....
E teve mais.... em uma sexta-feira, tia Cici
telefonou para Nenê e, após ter dito que estava com saudades e que ligara para
saber como estava Nenê, não poupou palavras para dizer à Nenê que, se ela
quisesse ligar na casa dela, que o fizesse às sextas-feiras, dia em que o tal
companheiro, não estava por lá....assim ele não saberia que estavam em
contato!!!!
Acredito não ser necessário dizer
que NUNCA mais Nenê ligou para tia Cici e, se o telefone tocasse, e Nenê visse
no identificador de chamadas que era a tia, também não atendia. Ficou muito
magoada, muito decepcionada e sabia, que daquele dia em diante, não teria mais
aquele nome para chamar nos momentos de medo ou tristeza, nem que fosse apenas
em sua imaginação.
Mas, como este episódio, Nenê
colecionou histórias como esta; mas, aos olhos dos outros, seus sentimentos
eram sempre exacerbados, exagerados...mas o que mais Nenê desejava era que alguém
a olhasse como alguém falível, sensível e digna de ser amada. Infelizmente o
tempo passou e isso jamais aconteceu, nem com familiares, nem com amores e
muito menos com a mãe biológica.
A impressão que Nenê passou a ter
era que o reconhecimento das emoções e das dores alheias só acontecem entre
pessoas consangüíneas, ou seja, “sangue do sangue”, como tantas vezes ouviu sua
mãe de coração comentar. Nenê não se sentia amada; para ela amor era muito mais
do que dar abrigo, alimentos, roupas, estudo.... para ela, amar era sinônimo de
olhar apurado, atenção, cuidados e respeito aos sentimentos, mesmo que hajam
divergências...
E Nenê já se sentia muito só em
sua trajetória...filhos crescidos, casamento desfeito, morava sozinha e, desde
o momento que percebera que a família a recebia mais por obrigação do que por
prazer, cortou os laços e contatos mais próximos. Vivia uma vida isolada, onde
o seu maior foco era seu trabalho e, em casa sozinha, sua eterna companheira: a música.
Até que, em um período de Natal,
onde tudo e todos estão voltados para os preparativos das reuniões familiares,
onde Nenê já não fazia mais parte há anos, a tristeza, o abandono e porque não
dizer, o desespero, foram tomando conta...
E nem o namorado, nem os filhos,
nem os poucos familiares que faziam parte de sua vida, nem amigos e muito menos
a mãe de coração conseguiu prever o que estava por acontecer.... ela não mais
teve forças e acabou por atentar contra sua própria vida. Ficou entre a vida e
a morte e por pouco, não teve seqüelas. Entre resgate, U.T.I., cirurgias, fisioterapia,
foram mais de 18 meses até que Nenê pudesse retornar à sua vida normal..... o
físico realmente voltou ao normal... mas Nenê nunca mais conseguiu voltar a ser
o que era, principalmente na alegria que contagiava a todos!!!!
Aos poucos, recuperou suas
atividades, mesmo que algumas tiveram que ser revistas ou até mesmo, readaptadas.
Mas o Alto havia sido muito benevolente com Nenê e ela se recuperou muito
bem!!!
Mas, nenhum Ser Humano nasceu com
o físico de ferro, imune aos efeitos das emoções mal administradas ou, até mesmo,
descontroladas!!!! Não que Nenê tivesse algum problema psiquiátrico...apenas
uma tristeza interna, por nunca ter se sentido verdadeiramente amada.
E é assim mesmo que acontece.....
o amor pode nos levar para vários
caminhos, porque se não for um amor de verdade, amor pela metade pode destruir
qualquer um que sentir falta dele.
E com Nenê não foi diferente:
desde que o primeiro episódio de depressão a acometeu, o seu corpo nunca mais
parou de se manifestar, de tão sensível que se tornou perante a todas as situações
pela qual passou, uma vida inteira!!!!
Mesmo tanto tempo depois, Nenê
continua sem contato freqüente com a família...família de coração, porque a
família biológica, nunca teve informações. Sua mãe de coração, ainda é viva, já
beirando os 90 anos...mas nunca conseguiu recuperar a confiança e nem mesmo
aquele amor filial.
Nenê costuma dizer que aprendeu
com a vida que a confiança é o sentimento mais difícil de ser recuperado, mesmo
em relação ao amor; pode-se reaprender a amar...mas jamais a confiar!!! Vive
uma vida em solitude, porque dizer em solidão, para ela, dói demais!!!
Aquela força que aprendeu a ter
para sobreviver na infância e adolescência, em função de uma discriminação
velada, porém sentida, se sustenta para seguir os dias atuais e driblar
qualquer grito ou pedido de socorro que o seu corpo possa dar.
Por mais que a maioria dos Seres
Humanos ignorem que aqui chegamos sós e também estamos sós, em nossa partida
final, Nenê teve que assimilar tal aprendizado precocemente e, mesmo que muitos
estranhem, aprendeu a ter como companhia o canto de um pássaro, o vôo de uma borboleta, o espetáculo da
chuva, o som do vento, a forte presença de uma árvore e até mesmo, o silêncio
do vento.... é uma eterna apaixonada pelos elementos da natureza!!!
Os anos passados, através de seus
acontecimentos, contribuíram em muito para que Nenê mudasse sua forma de ser;
mas jamais sua essência!!!! Não se importa mais com o que pensam ou sentem a
seu respeito e jamais cede ao que esperam que seja ou faça!!!!
Nenê simplesmente segue
caminhando, no percurso traçado pelo sentir do seu coração. E, em uma conexão com
o Alto, que julga personalizada e individual, ela segue a luz desta
inteligência superior, para que guie seus passos, em direção ao crescimento e
superação pessoal.
Nenê não tem mais o colo da tia Cici e quando sentir medo ou dor, já não tem como chamá-la...
Mas pode acreditar: se um dia você
tiver a oportunidade de estar frente à frente com Nenê, terá a impressão de
conhecê-la há muito tempo, porque...
...quem mais consegue entender o
outro, são os curadores feridos, ou seja, quem realmente conhece a necessidade alheia,
por já ter passado por situação semelhante....
E então eu pergunto: terá alguém
mais conectado com a essência da vida do que alguém que conheça a necessidade de se
sentir amado???
Nossa Élide que lindo texto, mas, fiquei triste pela Nenê, assim como por todos (e são muitas pessoas nesse mundão de ilusão) que ainda não compreendem que SEM a Alegria de Amar a Deus sobre Todas as Coisas e ao Próximo como a Ti Mesmo é quase impossível ter uma verdadeira paz de espirito em seu coração, pois nos falta a compreensão na sua verdadeira dimensão do grande valor do PERDÃO E DO AMOR INCONDICIONAL que desfaz toda mágoa e toda culpa, seja de alguém ou de nós mesmos, já que ainda não somos o ser perfeito como nosso Pai Criador nos fez, mas, nossas experiencias de vida no dia-a-dia nos da a oportunidade de nos transformar e chegar mais perto do propósito de Deus para com cada um de seus filhos.
ResponderExcluir“Não é o que você é, o que você tem,
onde está ou o que faz que irá
determinar a sua felicidade.
Se você tem amor e sobrevive nesta vida
com dignidade, um coração bondoso e reta
intenção no que faz, então, você tem tudo”
(Autor desconhecido)
Te amo querida priminha. Beijo no seu coração.