... mas a família de "Nenê" não tinha grandes posses...mas ela sempre teve o que desejava; bastava comentar sobre algum objeto que havia visto e pronto: dias depois, lá estava um presente e do jeitinho que ela realmente queria!!!
Afinal, uma filha única, vinda treze anos após o casamento de seus pais, só poderia mesmo ser muito mimada...eheheh
Mas, por mais mimos que haviam, ótimos conceitos para sua formação de caráter nunca lhe faltou...muito pelo contrário! E quando era percebido algum desvio no comportamento, por menor que fosse, que pudesse abalar a conduta da sua formação como cidadã de bem, não era pensado uma única vez para que a correção fosse feita.
E uma destas vezes, marcou a vida de "Nenê", para sempre!!´E ela mesmo conta:
".... era difícil ver meus pais conversarem...o ambiente era sempre de discussão, em função do alcoolismo dele; ou era de silêncio, no dia seguinte de cada escândalo. Mas teve um dia, em especial, uns dois anos antes de perdê-lo, que os vi conversando de forma diferente, séria. E o assunto em questão era "fazer economia". Eu nunca havia ouvido nada até então, em meus 12 anos de vida....e aquilo ficou em minha mente. Como ele já estava se sentindo enfraquecido fisicamente, estava propondo para minha mãe que desse uma segurada nos gastos, pois seus recursos estavam mais limitados.
E foi então, que me lembro ter "pisado pela primeira vez na bola"...ehehehe
Estávamos no supermercado, eu e meu pai...e naquela época, com muito menos habitantes nos grandes centros atuais, a cidade onde morava ainda mantinha aquele padrão "todo mundo conhece todo mundo"...e claro, minha mãe também conhecia o gerente do supermercado.
A intenção era comprar apenas alguns itens e, já naquele momento, eu percebi que até mesmo o carrinho de compras, já estava bem mais vazio do que de costume.
Então, houve um momento em que meu pai me avisou que iria pegar algo em alguma outra gôndola e eu me mantive perto de algumas guloseimas.
Crianças, no supermercado, sempre se torna um consumidor em potencial, porque parece que tudo salta aos olhos...e no meu caso não foi diferente: um saquinho de pipoca saltou aos meus olhos, provocando aquela salivação de quando ficamos com muita vontade de comer algo....
Mas, no mesmo momento, me lembrei da conversa que havia escutado entre meus pais, sobre a contenção de gastos. Então não tive coragem de pedir a tal pipoca para meu pai...mas eu queria muito aquela pipoca...muito mesmo!!!!
E foi então que não pensei duas vezes e peguei o tal saquinho de pipocas e o guardei em meu corpo...nem me lembro onde...o que sei contar é que consegui passar com o tal saquinho de pipocas pelo caixa, sem ninguém perceber, muito menos meu pai!
Mas, só havia esquecido de um detalhe: eu não sabia fazer pipocas...ehehehe
Quando cheguei em casa, dei um jeitinho de guardar o saquinho, sem que ninguém percebesse e, passado um tempo, com toda a "cara de pau" do mundo, pedi para minha mãe fazer pipoca. Ela me respondeu que não tinha pipoca, mas que assim que possível, compraria. Então, aumentando a "cara de pau", comentei ter visto um saquinho no armário e ela, mesmo afirmando que não tinha, se rendeu à minha insistência e foi confirmar. E aí, achou o tal saquinho de pipoca, novinho e ainda lacrado.
E foi então que começou um dos maiores aprendizados da minha vida: jamais se aproprie de bens alheios, ou seja, do que não lhe pertence!
Minha mãe, se assemelhava a um general, principalmente no que dizia respeito à minha educação. Era rígida demais e a impressão que eu tinha é que nela havia vários sensores, porque absolutamente nada passava imperceptível...só o que lhe convinha...ehehehe
Naquele exato momento ela olhou muito firme em meus olhos e me questionou sobre como aquele pacote de pipocas havia chegado até o armário, por que ela não havia comprado.... E, com tamanha presença em minha vida, uma das coisas que eu não tinha espaço para desenvolver era a mentira; tentava omitir, mas jamais mentir. E claro.... confessei que havia pego porque havia escutado que precisávamos economizar.....mas eu estava com muita vontade daquela pipoca...
Mas ela não elevou a voz, não me bateu, não me colocou de castigo nem nada nessa linha...
Chegando lá, pediu para conversarmos em particular com o gerente, amigo dela, e explicou o que havia acontecido. Eu queria fazer um buraco no chão e chegar no Japão...ehehehe ...de tanta vergonha que estava sentindo.... quanto constrangimento...naquele momento eu estava com muita raiva dela porque não conseguia conceber o tamanho daquela erva daninha que ela queria arrancar da raiz!!!
O nome do gerente era Sr. Alexandre....e, apesar dele não estar mais entre nós, o guardo em meu coração, com muito carinho até hoje!!
Sr. Alexandre escutou a narrativa dela com muita atenção, agradeceu sua iniciativa e, com entonação na voz, mas permeado com muito amor e respeito aquela situação, me olhou sério e simplesmente disse:
"Você entendeu o que a sua mãe está fazendo: que não podemos nos apropriar do que não nos pertence? ... como estou vendo em seus olhinhos que não teve a intenção de roubar mas simplesmente de saciar a vontade de comer pipoca, este pacote eu te dou de presente... mas você vai ter que me prometer que, se algum dia em sua vida tiver alguma necessidade, jamais irá repetir este feito, ok?"
.....
Nem preciso dizer que as lágrimas rolam em minha face só de lembrar daquele momento e de uma situação que marcou tanto em minha vida e na formação do meu caráter!!!
...confesso que já passei por muitas dificuldades... e que, houve momentos tão difíceis e solitários que eu tinha vontade sim levar comigo outros "pacotes de pipoca"...porque tem determinados momentos na vida da gente que parece que a gente não consegue aceitar porque os outros podem ter o que a gente nunca consegue ter....
Mas naquele exato momento, que esse desejo tentava me convencer ser o melhor caminho, eu me via com 12 anos de idade e me sentia à frente do Sr. Alexandre e da minha mãe "general".... e só aquela lembrança já era suficiente para me afastar de qualquer tentação...."
Talvez em muitas situações na vida da gente nos perguntemos o que realmente é justo e o que realmente é correto....e em muitas delas, talvez até mesmo na maioria, não consigamos obter tal resposta.
O que realmente sei é que temos nosso livre arbítrio, mesmo dentro da fartura ou da miséria.
Caráter não está disponível apenas para quem nasce me berço de ouro, para quem estuda em boas escolas, para quem tem formação superior, etc....
Caráter é o resultado de boa índole, permeado pela observação de bons exemplos e bom senso.
Talvez seja exatamente isso o que esteja faltando nos dias atuais.....
"Ética é o que você faz quando está todo mundo olhando.
O que você faz quando não tem ninguém por perto, chama-se caráter!!!"
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