terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

blogueira cubana Yoani Sanchéz, em entrevista exclusiva para Revista Claudia - Editora Abril


Em visita ao Brasil, a blogueira cubana Yoani Sanchéz revela: "acho que seria muito feliz aqui"

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A blogueira cubana Yoani Sánchez, que luta a favor da democracia e da liberdade de expressão no país comandado pelo governo Castro há mais de 50 anos, comenta a repercussão de sua visita ao país e conta quais são as suas expectativas em relação ao futuro do povo de Cuba. Confira!
Patrícia Ribeiro em 22.02.2013
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 Foto: Ernesto Mastrascusa
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Por onde ela passa há um furor — seja de simpatizantes ou de manifestantescontrários a sua ideologia. Desde que chegou ao Brasil, na madrugada de segunda-feira, a blogueira, jornalista e filóloga cubana Yoani Sánchez participou de entrevistas, debates e palestras e, mesmo sendo alvo de protestos, acredita que isto é algo positivo, fruto da democracia e liberdade de expressão, algo que não existe em seu país. A autora do blog Generación Y, de 37 anos, casada com o jornalista Reinaldo Escobar, e mãe do adolescente Teo, veio ao país para promover seu livro De Cuba, com carinho, e é a principal porta-voz dos opositores do regime castrista que impera em seu país há 50 anos. Depois de ter o visto negado para sair da ilha por 20 vezes, ela segue para uma viagem de 80 dias, passando pela República Tcheca, México, Peru, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Suíça, Itália e Espanha para receber premiações, participar de conferências, entrevistas e visitar amigos. Aqui, ela fala sobre sua visita ao Brasil e revela o que espera do futuro de Cuba.
Como você avalia a sua visita ao Brasil e como espera que ela seja divulgada em Cuba?
Não esperava esta repercussão. Acho que demorei tanto tempo para conseguir entrar no país, que se acumulou energia. O que eu encontrei aqui foi 10 vezes mais do que eu esperava. Desde que cheguei, o meu número de seguidores no Twitter, por exemplo, cresceu de 393 mil para cerca de 420 mil. E creio que muitos deles são brasileiros! No meu país, espero o silêncio. Mas sei que podem estar preparando algum material falando do fracasso da minha viagem. Porém, isso não me preocupa muito.
O que você pensa das manifestações de esquerda no Brasil? Esperava por isso?
Esperava um pouco de rejeição, mas tudo dentro de um limite. Não esperava que fossem me impedir de falar, de exibir um filme. Foi um momento difícil. (Yoani refere-se à situação que viveu em Feira de Santana (BA), quando os manifestantes não a deixaram falar e impediram a exibição do filme "Conexão Cuba-Honduras", do cineasta baiano Dado Galvão, na segunda-feira, 18). Fiquei surpresa com a violência e a repetição. O meu trabalho no jornalismo tem como lema o respeito, mesmo quando não estamos de acordo, todos têm o direito de expor a sua opinião.
Apesar de tudo que se divulga sobre Cuba, por que o modelo cubano continua sendo admirado na América Latina e até mesmo no Brasil?
Acho que há um estereótipo sobre a Revolução Cubana que é muito atrativa não só na América Latina, mas na Europa também. Esta ilusão entra na cabeça dos jovens que são inconformados com a realidade de seus países e se baseiam na revolução como um modelo. A maioria dessas pessoas nunca esteve em Cuba, ou, se visitaram, fizeram turismo e acreditaram nas propagandas políticas, concluindo que tudo era perfeito em Cuba, ou seja, conheceram o país de maneira superficial. Há também pessoas que não são tão jovens, mas não querem reconhecer que aquele modelo em que acreditaram está morto. Isto acontece fora de Cuba, mas também dentro da ilha. Por outro lado, o governo cubano foi eficiente na criação de uma realidade distorcida, de uma propaganda constante de uma Cuba que não existe, um lugar de esperança, onde há oportunidade para todos. A educação e a saúde foram divulgadas de maneira utópica, para criar a ideia de que todos têm acesso a boas escolas e hospitais. Quando viajei para o exterior, há alguns anos, tive de combater esta imagem que se tem de Cuba. Mas hoje tenho a impressão de que este ideal da ilha utópica está se mostrando cada vez mais falso.
Na ilha, há duas moedas: o peso cubano, que é a moeda oficial, e o peso conversível, que é uma moeda usada pelos turistas. Como os cubanos sobrevivem em meio a esta economia?
O sistema econômico é uma "esquizofrenia", porque os cubanos recebem o salário em peso cubano, que só é válido para pagar coisas como a passagem de ônibus, cinema, fazer compras de comida... E a outra moeda, chamada peso conversível (CUC), é um fantasma do dólar. É mais caro e é o dinheiro usado pelos turistas. O salário de um trabalhador cubano é, em média, 20 dólares, então ele não consegue o mínimo para comprar seus mantimentos e muitos deles têm de usar outros meios (até mesmo ilegais), para sustentar suas famílias. O cubano que não tem estas possibilidades pode passar necessidades. Há uma busca diária para conseguir o peso conversível e isso desestimula as pessoas a trabalharem legalmente. O próprio governo reconhece que o salário pago por eles não é a única fonte de renda. Isto tem que acabar!
Quem visita Cuba sente que há uma espécie de hipocrisia social. As pessoas que reclamam da falta de alimentos, das dificuldades de comprar as coisas são tambémas mesmas pessoas que cultuam os governantes. O que você pensa sobre isso?
Isto é Cuba. Quem nasceu depois da Revolução já é doutrinado desde pequeno, recebendo uma série de informações e propagandas que fazem você acreditar que o país não te pertence. Não dizem assim, diretamente, mas fazem crer que o país pertence a quem fez a Revolução, os salvadores da pátria. Então, cria-se um sentimento de que não podemos mudar nada, um medo constante. Medo dos questionamentos, de ser vigiado... E esta sensação deixa as pessoas paralisadas. Por causa disso muitos cubanos preferem resolver seus problemas individuais a pensar no coletivo.
Em quanto tempo você acha que é possível existir uma democracia em Cuba? De que maneira pode acontecer esta transição, já que não há uma mobilização popular por parte dos cubanos?
O tempo sonhado para a democracia seria para agora. Mas o tempo das nações é bem diferente ao da vida das pessoas. Um ano, cinco anos para um país não é nada, mas para quem espera mudanças é muito tempo. Tenho esperanças de que haja mudanças no interior do cubano, uma sensação de basta, que o sistema se esgotou! Mas até que isso se torne realidade será um longo processo. Não gostaria que esta transformação fosse violenta, nem que houvesse um golpe de Estado, muito menos uma transição dentro do mesmo governo. Gostaria que esta transição para a democracia fosse uma combinação de insatisfação popular junto à pressão da comunidade internacional por vias pacíficas.
No futuro, como você acha que o povo cubano vai recordar os aspectos negativos e positivos do governo cubano da família Castro?
Tenho um sonho: imagino-me no futuro, como uma velhinha de cabelos brancos, quando meus netos me perguntam: “como era mesmo o nome dele? Castro? Mastro?” Eu contaria a história, porque é importante nos lembrarmos do passado. Estamos encerrando um ciclo doente, a política ocupa um espaço excessivo em nossas vidas. Espero que a Cuba do futuro seja mentalmente sã e que fale daquele presidente como algo natural, como uma personalidade do esporte ou da cultura. Ficamos tanto tempo impedidos de falar, de criticar publicamente que, quando isso terminar, ou seja, quando a censura acabar, vai acontecer uma avalanche de críticas sobre as figuras que governaram o país por mais de 50 anos. Imagine, por exemplo, uma caricatura crítica de Fidel ou Raúl Castro publicada no jornal? Seria incrível!
O que você acha de uma aproximação de Cuba com os Estados Unidos?
Muitas vezes me perguntam se eu não tenho medo do McDonald’s chegar a Cuba. Eu respondo que tenho medo mesmo é que um trabalhador não possa comprar um hambúrguer com o seu salário. Acho que o problema não é como os Estados Unidos ou outras empresas estrangeiras irão entrar em Cuba e substituir o produtor e consumidor nacional. Isto não me preocupa, porque Cuba tem uma identidade bem definida, um pensamento próprio — o que pode ser um bom antídoto contra uma interferência muito grande. Temos de lembrar que há muitos cubanos morando e trabalhando nos Estados Unidos e que assumiram parte desta cultura, do modo de vida americana, que também podem investir na ilha. Acho que deve existir uma relação de soberania, de independência e colaboração, porque são países com modos diferentes de viver.
Se você pudesse escolher outro país de origem, onde você gostaria de ter nascido? Qual nação representa hoje o seu ideal de liberdade?
Sou uma pessoa que nunca viveu plenamente a liberdade, então sigo buscando este ideal. E mais do que uma nação com ideal de liberdade, acredito em nações com uma identidade cultural! Amo meu país, mas não me importaria de ter nascido em outro lugar, sou uma cidadã do mundo, gosto da cultura latina, do idioma. Adoraria ter nascido no México, por exemplo, que é um país que me atrai por sua cultura, literatura e todo o legado milenar. O Brasil também poderia ser uma hipótese. Eu poderia ter nascido em são Paulo, Feira de Santana, Brasília... Falar português em vez de espanhol. Acho que seria muito feliz aqui!

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