Por mais complexa que possa parecer alguns termos utilizados no texto abaixo, a identificação que encontrei, para o momento presente da minha vida, é inenarrável!!!
Quem sabe você também não se identifique....
A segurança não pode ser medida pela convicção, mas pela habilidade de duvidar e mesmo assim ser capaz de seguir em frente. A lagarta é a promessa do que podemos nos tornar, contudo não é a experiência completa, nem um fim em si mesma. É uma etapa inicial, acertadamente percorrida. A infância da vida, o desabrochar da inocência, a experimentação da realidade.
Então há o momento de deixar a lagarta morrer. Este é o tempo da crisálida. Quando saímos das certezas aprendidas para as verdades elementais. Introjetamos a experiência e repassamos a vida pelo crivo caloroso da essência. Há uma alegria, um júbilo nesta vivência. Pois, não há nada melhor do que renascer. Nascer pode não ser uma escolha, mas renascer é fruto da consciência que acorda e deixa morrer aquilo que não vive mais.
Claro que, como qualquer das passagens da existência, tornar-se crisálida não é uma experiência isenta de tumulto. Há estertores da antiga lagarta que resiste em desaparecer, sem compreender que de fato se transforma em algo maior e melhor. A crisálida contém a lagarta, mas vai além dela, muito além.
Essa interiorização a que a crisálida convida é um estado reflexivo, de harmonização entre o ser e o fazer, entre o desejo e o destino. É a edificação da consciência em estado de maturidade. É, ao mesmo tempo, um estado de insensatez, de loucura, de fazer coisas inesperadas, fora do senso comum. É preciso muita maturidade para enlouquecer de forma sensata.
Loucura mesmo é permanecer lagarta. Arrastar-se por aí, sem perceber a magnificência da vida. Acordar e dormir sem perceber que o tempo entre estes dois momentos é o mais significativo. Não será em nenhum outro dia, nenhum outro momento e nenhum outro lugar. Especialmente, não precisamos ser outra pessoa para nos transformarmos. O ser que somos já basta. É preciso lembrar que a lagarta é semente e que a experiência acumulada é a matéria prima onde podemos construir o casulo que vai abrigar a crisálida.
É tempo de se voltar para o interior, para a essência. Um momento de recolhimento das distrações do mundo. O sabático do cotidiano. Esse necessário afastamento das obrigações, deveres e diversões mundanas é ao mesmo tempo uma grande reflexão, como um período de profunda meditação, e um júbilo, uma alegria infinita de encontrar-se, finalmente, consigo mesmo.
Aparentemente, aos olhos puramente focados no exterior, a crisálida é um casulo de morte. É o fim da lagarta e nada mais se vê. Não há beleza, nem movimento, nenhum tipo de ação. É o fim de um ciclo, mas não se pode adivinhar o que virá daí. É preciso aprender a confiar no fluxo, acreditar no sábio processo da natureza, que fará revelar aquilo que pode ser.
Muitos observadores desavisados vão condenar a crisálida. Vão apontar suas deficiências, suas perdas, suas dificuldades, sua fragilidade. Contudo, não se pode confiar na impressão das outras lagartas. Cada uma delas também haverá de experimentar o mesmo processo, cada uma a seu modo, porém lagartas não estão prontas para compreender a crisálida.
O que é uma aparente deficiência pode ser, de fato, um redimensionamento da experiência de existir. O que é percebido como perda, pode na verdade ser um desapego libertador. As dificuldades nada mais são do que a consciência em pleno exercício, percebendo mais e, portanto, experimentando coisas e situações novas. E do falsamente frágil é que surge a força, o vigor, a vida.
Por falta de experimentação, o vocabulário das lagartas condena a experiência de crisálida. A resistência se organiza, a crítica se intensifica, mas o processo não pode mais ser interrompido. Uma vez que a lagarta comece a se transformar já não há mais volta. E é desse recolhimento, dessa auto imolação do passado que surgirão as condições para o desabrochar de uma nova experiência, mais ampla, mais rica, além de qualquer aspiração.g
Da antiga lagarta se tem a experiência do corpo. Dos desafios vividos nascem as antenas da percepção. Da entrega surge o veludo e as cores. O ser se apresenta além das restrições e, de par em par, desdobra suas asas e se permite voar."
Por: Dulce Magalhães
Ph.D. em filosofia pela Columbia University
www.dulcemagalhaes.com.br
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