Com um livro recém-lançado nos EUA e um site, o empresário, de 20 anos, quer convencer os jovens de que é possível ter sucesso sem ir à universidade
(Por DANILO VENTICINQUE - http://revistaepoca.globo.com)
Em 2010, o bilionário alemão Peter Thiel, fundador do site de pagamentos Paypal, anunciou um projeto polêmico de filantropia: oferecer 20 bolsas de US$ 100 mil para jovens com menos de 20 anos dispostos a abrir mão de ir à faculdade e investir em projetos especiais. O americano Dale Stephens foi um dos escolhidos. Enquanto seus colegas usaram o dinheiro para fundar empresas inovadoras em áreas como a criação de games e energia renovável, Stephens decidiu se dedicar à causa de Thiel e convencer outros jovens a procurar alternativas às universidades tradicionais. Em seu site UnCollege (algo como “desuniversidade”) e no livro recém-lançado,Hacking your education (Invadindo sua educação), ele dá dicas para quem quer estudar por conta própria.
AUTODIDATA:
Dale Stephens no escritório em que criou seu site.
Ele afirma que os jovens devem buscar a educação por conta própria, longe das universidades
(Foto: Ghaith Abdul-Ahad/Getty Images)
Segue entrevista da Revista Época, na íntegra:
ÉPOCA – Por que ir à faculdade não é uma boa ideia?
Dale Stephens – Não há nada de errado em cursar uma faculdade, mas você precisa saber por que, exatamente, esse é o melhor caminho para você. Os jovens costumam seguir esse caminho automaticamente, como se não houvesse alternativa. Nos Estados Unidos, muitos se endividam para pagar os estudos e depois não conseguem um emprego que justifique esse investimento. Na atual situação econômica do país, esse é um problema que atinge toda a minha geração. Se você não tiver um bom motivo para ir à faculdade em vez de buscar outras formas de aprendizado, as chances de perder tempo e dinheiro com esse investimento são muito grandes.
ÉPOCA – Quais são os motivos errados para ir à faculdade?
Stephens – Um motivo errado que muitos costumam dar é a vontade de ter uma formação “ampla”. É difícil ter uma formação ampla quando você passa a maior parte do tempo numa sala de aula e tem pouco controle do que aprenderá. Há maneiras muito mais eficientes de satisfazer esse desejo. Você pode ler, viajar, fazer cursos pela internet e conversar com pessoas que o inspiram. Muita gente diz que a faculdade serve para criar contatos, mas também é possível fazer isso de outras formas. Há muitas pessoas no mundo que são especialistas naquilo que você quer aprender, e muitas delas estarão surpreendentemente dispostas a ajudar se você conseguir vencer a timidez. Se você quer aprender a fazer algo, encontre alguém que faça aquilo muito bem e se apresente. Qualquer um pode fazer isso. E o pior motivo de todos é ir à faculdade porque você não sabe o que fazer. Se você não sabe o que fazer, trate de descobrir primeiro – depois decida qual é o melhor caminho para chegar a esse objetivo. Em vez de se perguntar qual curso deve fazer na faculdade, pergunte-se primeiro se você deve fazer uma faculdade e por quê.
ÉPOCA – E os bons motivos, quais são?
Stephens – Os bons motivos são sempre específicos. Se você já ouviu falar de um determinado professor e quer aprender com ele, ou se quer trabalhar num determinado laboratório, ou se quer aprender alguma habilidade específica que só a faculdade pode ensinar, vá em frente: essa é a escolha certa. Há muitas pessoas bem-sucedidas que seguem esse caminho e se formam em universidades, mas imagino que a maioria delas sabia exatamente o que estava fazendo nas aulas e buscava aprimorar seus conhecimentos fora delas. O problema é seguir esse caminho automaticamente, como se as universidades fossem a única opção para quem quer aprender e ser bem-sucedido.
ÉPOCA – Você ganhou uma bolsa de US$ 100 mil para financiar seus projetos. A vida longe da faculdade não seria mais difícil sem ela?
Stephens – Tinha abandonado a faculdade quando ganhei a bolsa, e não teria motivos para voltar atrás. Certamente, estaria trabalhando no mesmo projeto e defendendo as mesmas ideias, mas talvez não fosse ouvido por tantas pessoas. A bolsa me deu credibilidade, e isso é muito útil. A faculdade que abandonei era desconhecida, mas a bolsa do Peter Thiel é famosa e, com ela, meu trabalho ganhou muito reconhecimento e exposição. Sem ela, teria de encontrar outras maneiras de ser ouvido e levado a sério.
ÉPOCA – Você chegou a ter medo de não conseguir um emprego e fracassar por não ter um diploma?
Stephens – Não tive medo de não conseguir um emprego, mas tive medo de me isolar. Fazer uma escolha incomum como essa é algo que pode incomodar os outros e afastá-los. Mas logo decidi que deveria enfrentar esse risco e tomar o controle de minha vida. Não foi uma decisão particularmente difícil: deixei de ir à escola aos 12 anos, para estudar em casa, e não cheguei a cursar o ensino médio. Minha luta contra a educação formal é antiga. Entrar numa faculdade foi um jeito de dar uma última chance ao ensino tradicional, mas logo percebi que queria fazer as coisas à minha maneira. Foi aí que surgiu a ideia de fundar a UnCollege e ajudar outras pessoas que quisessem seguir esse caminho. Tive a sorte de contar com uma comunidade de amigos e colegas que acreditam que o trabalho duro vale mais do que qualquer diploma, e eles me ajudaram a perseguir meus sonhos.
ÉPOCA – Em seu livro, você afirma que os jovens deveriam encarar sua educação como hackers. O que isso significa?
Stephens – Ser um hacker na educação é criar suas próprias regras, seguir suas próprias expectativas e avaliar seu próprio progresso. Você pode ser um hacker de computadores, mas também é possível adotar a mesma postura nas artes, na escrita, na educação. Significa assumir o controle e fazer o que realmente funciona para você, em vez de seguir regras que valem para todos. Em meu livro, descrevo diferentes estratégias que você pode usar para assumir o controle de sua educação. É possível fazer isso dentro de uma faculdade, tentando aproveitar seu tempo ao máximo, construir relacionamentos e criar desafios para si mesmo. Mas você também pode fazer isso fora da faculdade, usando recursos que estão disponíveis para todos, seja na internet ou fora dela.
"As universidades não desaparecerão tão cedo, mas serão mais importantes como centros de pesquisa do que como centros de ensino"
ÉPOCA – Como provar sua competência sem um diploma?
Stephens – Realizar algo é muito mais convincente do que mostrar um pedaço de papel. Há várias maneiras de demonstrar que você está apto a fazer um trabalho. É claro que há algumas áreas, como a medicina, em que a universidade é fundamental para que o estudante tenha uma experiência controlada. Mas, se você quer trabalhar criando sites, você pode criar sites por conta própria em vez de passar quatro anos estudando design ou ciência da computação. Se você quer organizar eventos, pode começar a mobilizar pessoas agora, sem pisar numa faculdade de relações públicas. Se você quer ser um músico ou um escritor, há várias maneiras de aprender a compor, tocar e escrever sem ir à universidade. Um curso é só mais uma linha em seu currículo. Na maioria das áreas, um trabalho bem-feito impressiona muito mais.
ÉPOCA – Suas críticas às universidades se limitam às aulas, mas elas também são importantes centros de pesquisa científica. Seria possível substituí-las nessa função?
Stephens – Há boas iniciativas de pesquisa científica fora das universidades. Algumas delas se aproveitam de ambientes de colaboração na internet. Um exemplo é o biocurious.org, um site para biólogos amadores. São projetos que estão em fases iniciais, é claro. Mas as universidades não desaparecerão tão cedo, e sua importância como centro de pesquisa, no futuro, será muito maior que sua importância como um centro de ensino. E esses dois aspectos são independentes: é possível conseguir muito dinheiro para financiamento de pesquisas sem que os alunos paguem para estudar.
ÉPOCA – No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, algumas das principais universidades do país são gratuitas. Se cursar uma faculdade fosse mais barato, a escolha valeria mais a pena?
Stephens – O valor dado à educação superior varia muito de instituição para instituição, de país para país e até de pessoa para pessoa. É difícil tomar essa decisão com base apenas em aspectos financeiros. A pergunta mais importante a ser feita é se a universidade é capaz de dar aos alunos liberdade para que eles explorem suas paixões. Se as universidades fossem mais flexíveis, ajudassem os alunos a criar redes de relacionamento e a encontrar mentores com experiência no mercado, jamais teria abandonado minha faculdade. As universidades precisam ser repensadas.
ÉPOCA – O que você sugere que os adolescentes façam ao sair do colégio, em vez de seguir o caminho mais usual?
Stephens – Tenho organizado encontros de uma semana entre jovens de várias partes do mundo que escolheram não ir à faculdade. É muito bom vê-los trocar experiências sobre seus processos de aprendizado e criar projetos em conjunto. Isso os ajuda a descobrir não só que é possível ter sucesso sem um diploma, mas também que é possível aprender sem ir à universidade. Não faz sentido continuarmos a agir como se um diploma fosse essencial para ser alguém na vida. Meu próximo projeto é escolher dez candidatos para um programa de aprendizado de um ano, que incluirá viagens, conversas com mentores e estágios em pequenas e grandes empresas. Minha meta é que, ao final desse ano, os estudantes criem suas próprias empresas ou consigam boas propostas de emprego sem precisar de um diploma.
ÉPOCA – Não é arriscado abrir mão da universidade quando uma boa parte do mercado ainda exige o diploma?
Stephens – É um risco, mas não é algo que arruinará a vida de ninguém. Se tudo der errado e o jovem decidir que era melhor fazer uma faculdade, a faculdade ainda estará lá. As salas de aula não terão desaparecido (risos). A decisão de não ir à faculdade agora não o impede de mudar de ideia daqui a um ano. Para mim, essa é mais uma razão para tentar alternativas à universidade. O mesmo vale para quem já se formou na universidade: ter um diploma não o impede de tomar as rédeas de sua educação agora, estudar por conta própria e buscar mentores que possam ajudá-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário